A cidade de Chiang Mai localizada ao norte da Tailândia é famosa por seus inúmeros templos budistas, principalmente na região conhecida como Cidade Antiga (Old Town) onde templos construídos entre o século XIII e XVIII abrigam monges de todas as idades e oferecem cursos de meditação e outros programas relacionados ao budismo. Foi lá que tivemos a oportunidade de participar do programa Monk Chat, uma sessão livre para que as pessoas possam conversar com monges, aprender mais sobre o budismo e trocar experiências. Durante o Monk Chat buscamos entender melhor sobre a alimentação dos monges budistas e seu relacionamento com a comida.
Antes de mais nada, o que é Budismo?
O Budismo pode ser definido como uma filosofia de vida de acordo com a experiência e ensinamentos de Sidarta Gautama, o Buda. Nascido no século VI A.C. em Kapilavastu no norte da Índia, Sidarta Gautama veio a falecer aos 80 anos e deixou uma gama de ensinamentos. Estes ensinamentos têm como preceitos fazer o bem, evitar o mal, e purificar a mente através da investigação, compreensão, e auto-conhecimento.
Principais escolas: Theravada, Mahayana e Vajrayana
Os ensinamentos de Gautama Buda eram todos verbais e com base nas escrituras que posteriormente relataram seus ensinamentos, três escolas principais se formaram: Theravada, Mahayana e Vajrayana. A escola Theravada se estabeleceu com maior predominância na Tailândia, Laos, Camboja e Birmânia enquanto a Mahayana e Vajrayana se espalharam pelo Tibete, Norte da Índia, Mongólia, China, Coreia e Japão. Este texto se baseia na escola Theravada como resultado de nossas conversas com monges da Tailândia.
E qual é o objetivo da prática Budista? É buscar a felicidade?
Correto, mas para os monges budistas a felicidade não está relacionada com as coisas que alimentam nossos desejos, mas sim com o que gera sofrimento. Na filosofia Budista é importante encontrar um equilíbrio entre o corpo e a mente, se livrar de todas as causas que geram o sofrimento, e assim alcançar a libertação conhecida como o estado de Nirvana, e consequentemente a felicidade plena. A vida no conceito budista é vista como um fluxo contínuo e intermitente de interações e é preciso que as pessoas trabalhem em diversos obstáculos, como por exemplo, a nossa submissão aos desejos físicos e mentais, à avidez de possuir, e sobretudo, o egocentrismo.
A alimentação dos Monges
Muitas pessoas pensam que o Budismo é estritamente vegetariano, porém esta dieta é mais relacionada ao Mahayana. Na escola Theravada o vegetarianismo não é uma regra, mas sim uma recomendação dentro do preceito de evitar o mal, ou seja, causar a morte de um ser senciente (seres que possuem a capacidade de sentir).
E por que o vegetarianismo é uma recomendação e não regra?
Na escola Theravada, os monges não escolhem o que comem, eles se alimentam exclusivamente de doações. Como o Budismo busca o desapego aos desejos, isso inclui também o desejo de comer. Sendo mais específico, a alimentação para estes monges budistas não é acompanhada e motivada por um desejo de saborear e obter um prazer gastronômico, mas sim por uma necessidade vital do nosso corpo em busca de uma vida equilibrada. Por este motivo os monges não cozinham suas próprias refeições e não escolhem o que comem.
A comida além da alimentação
A comida aqui exerce uma função muito interessante que vai além da alimentação, ela é vista também como um instrumento de conexão entre os monges e a comunidade local. Todas as manhãs monges caminham pelas ruas para receber alimentos doados pelos adeptos e então voltam para o templo para compartilhar a refeição entre eles, uma prática conhecida como Ronda das Esmolas ou Ronda das Almas. O ato de comer é um ato compartilhado, na vida monástica não é permitido acumular comida, o que garante que todos os monges se beneficiem com o alimento coletado no dia e contemplem a refeição.
Ronda das Almas Ronda das Almas
Fotos de Eduardo Vieiro e Mônica Morás
O desejo de comer
O fato dos monges não se prenderem aos desejos do sabor, não significa que eles não gostam de uma comida específica, se fosse isso eles estariam ignorando a própria consciência da interação entre os nossos sentidos e a mente. O que eu quero dizer é que mesmo com a consciência do paladar, eles não escolhem o que comem, aceitam tudo o que é oferecido e dividem o alimento entre eles, funcionários do templo, e pessoas carentes. Apesar da flexibilidade quanto a ingestão de carne, existem exceções ao tipo de animal que pode ser consumido, como por exemplo, a proibição da carne de elefante, cobra, tigre, cachorro, urso, cobra, cavalo e humana. Um ponto importante é que se eles souberem que algum animal foi morto especificamente para alimentá-los, o alimento deve ser recusado.
A prática do Jejum
Jejuar também faz parte da vida monástica. Os monges fazem somente duas refeições por dia, uma pela manhã e outra antes do meio dia. Após a segunda refeição eles não se alimentam mais de sólidos e passam o resto do dia a base de líquidos enquanto estudam, praticam meditação e outras atividades voltadas para o templo, comunidade e auto-desenvolvimento.
Em resumo, na escola de Budismo Theravada, praticada principalmente na Tailândia, Laos, Birmânia e Camboja, os monges se relacionam com a comida sem apego, evitando o desejo pelo sabor, e buscando somente a vitalidade e equilíbrio. Com a Ronda das Almas, a comida exerce um papel de conexão entre os monges e a comunidade. Por um lado a doação supre as necessidades físicas dos monges, permitindo que sigam em frente com seus deveres e práticas budistas e do outro os adeptos exercem seus papéis comunitários, com boas ações, evoluem em sua prática e recebem gratidão dos monges
Confira abaixo trechos de nossas entrevistas com alguns dos monges que conversamos no programa Monk Chat e veja o que eles têm a dizer sobre a relação entre Budismo e alimentação.
Se tiver interesse no programa Monk Chat em Chiang Mai, nós participamos em dois templos: Wat Chedi Luang e Wat Suan Dok.