A Indonésia tem mais de 17.000 ilhas e é conhecida como o maior arquipélago do mundo. Com tanta diversidade entre as ilhas, a culinária da Indonésia é riquíssima porém pouco divulgada. Toda essa variedade ainda inexplorada instigou a curiosidade de uma jovem chef americana chamada Crystal Chiu. Depois de trabalhar no renomado restaurante Room4Dessert em Ubud, Crystal decidiu embarcar em uma série de viagens para explorar a cultura gastronômica da Indonésia.

Ficamos muito felizes por ter conhecido a Crystal durante a nossa viagem na Indonésia. Crystal é uma pessoa encantadora e super entusiasmada com a cultura gastronômica. Agora, nos orgulhamos de compartilhar com vocês um pouco de sua experiência!

Sobre o projeto

Por que você criou este projeto?

Como chef, sinto que é importante me conectar com a comida além da cozinha. Na Indonésia, eu percebi que lamentavelmente os ingredientes e a culinária regional são pouco reconhecidos e consequentemente negligenciados. Por isso, criei o Asli Food Project com o objetivo de preencher essa lacuna, assim como expandir a minha própria compreensão das relações entre a comida e as pessoas.

Quais são seus principais objetivos? Como o projeto pode beneficiar a Indonésia?

Assim que lancei o Asli Food Project, eu iniciei a primeira pesquisa para a viagem. Durante este período ficou claro para mim que meus objetivos pessoais seriam sobrepostos pelos objetivos do projeto. Ao longo do planejamento, muitos indonésios me disseram que no fundo eles não sabem muito sobre o seu próprio país, seja por falta de interesse, dinheiro ou tempo. Esse tipo de apatia pode atrapalhar o progresso, algo tão necessário por aqui.

Eu gostaria que o Asli Food Project ajudasse a mudar este cenário. O que eu experiencio através do projeto, as pessoas que eu encontro, a comida que eu como, as histórias que eu coleciono, tudo precisa ser compartilhado. Ter conhecimento das diferentes facetas da vida na Indonésia, de Sumatra a Papua, podem contribuir para inspirar empatia dentro de uma nação.

O que eu amo sobre comida é que aprender sobre ela não exige necessariamente que se fale o mesmo idioma que o seu interlocutor. Contanto que você utilize os cinco sentidos – o olhar, o cheiro, o som, o tato e o paladar – você pode explorar qualquer país infinitamente.

CRYSTAL CHIU

Quais são as descobertas mais valiosas e interessantes que você teve até agora?

Em um nível profissional, além de procurar por frutas e legumes desconhecidos, eu também tenho interesse em descobrir como o mesmo ingrediente é usado de diferentes maneiras dentro do país. Um bom exemplo é a Noz Kluwak.

Kluwak é uma semente que vem da árvore de Pangi. Quando fresca, sua carne é branca e tóxica. Em Java e Bali, a noz é fermentada embaixo da terra até que o veneno seja eliminado e a carne fique escura – este é o método mais conhecido.

Mas em Sulawesi, eu descobri que o povo Torajas também consome a Kluwak, mas de uma maneira diferente. Ao invés da fermentação, eles quebram a noz fresca ao meio e a colocam para secar ao sol até ficar escura. Em seguida, eles a moem até transformá-la em pó. Desta maneira, o sabor fica mais concentrado e intenso. Estas são as lições que eu levo de volta comigo para a cozinha – nunca há apenas uma maneira de trabalhar com um ingrediente.

Quais são os principais desafios para explorar a comida nativa?

Naturalmente, o idioma é o maior desafio. Apesar de ter aprendido Bahasa Indonésio (idioma nacional), o país é composto por centenas de grupos étnicos espalhados em mais de 17.000 ilhas. Existe uma quantidade imensa de dialetos locais que meus ouvidos não conseguem compreender. Mas o que eu amo sobre comida é que aprender sobre ela não exige necessariamente que se fale o mesmo idioma que o seu interlocutor. Contanto que você utilize os cinco sentidos – o olhar, o cheiro, o som, o tato e o paladar – você pode explorar qualquer país infinitamente.

Como é a percepção das pessoas locais sobre o seu projeto?

Surpresa, choque, emoção e orgulho — nessa ordem! Todos que eu encontro não conseguem acreditar que eu escolhi estar lá e aprender com eles – uma cozinheira chef americana em seu canto do mundo. No momento que eu deixo o local, eles se sentem orgulhosos de terem me ensinado sobre a sua cultura e culinária e que o Asli Food Project será um meio de compartilhar um pouco sobre eles com o resto do mundo.

Você sente que os turistas estão se tornando mais interessados em compreender sobre a comida local?

Na Indonésia, eu sei que os turistas têm expectativa de provar a boa cozinha local, mas eles também vêm com a ideia de que a comida da Indonésia se concentra apenas em pratos como Nasi Goreng, Mie Goreng e Sate. Porém, enquanto esses pratos são indonésios, eles não são os únicos. Isto cria um dilema, os visitantes não sabem o que pedir porque não sabem o que existe além disso. Não assuma que a comida listada no menu é verdadeiramente local. Tente cavar mais fundo, porque se você não perguntar, você nunca será capaz de experimentar as centenas de pratos deliciosos que existem no país.

Sempre que viajar, procure pela comida local, o que significa simplesmente interagir com os habitantes locais. Vá à mercados, coma comida de rua, aceite convites para visitar a casa das pessoas e comece a falar sobre comida. Confie em mim, esta é a melhor forma de iniciar uma conversa e a maneira mais fácil de fazer amigos na estrada.

CRYSTAL CHIU

Por quanto tempo você planeja executar o projeto?

Para ser eficaz, este projeto precisa viver para sempre! Na verdade, existem centenas, senão milhares de destinos para este projeto viajar. Eu também levo em conta que os ingredientes e a culinária estão em constante fluxo devido às mudanças ambientais, às populações migratórias e à modernização, por isso há um conteúdo abundante que o projeto pode explorar durante muito tempo.

Então, qual é o próximo passo? Você planeja lançar o projeto para outros países?

Acredito que preservar a vida e o uso de ingredientes e alimentos tradicionais é um esforço comunitário. Portanto, em Bali e na Indonésia, aproveito o espírito colaborativo que prospera por aqui para educar as pessoas sobre como o trabalho do Asli Food Project pode impactar suas vidas ou meios de subsistência. O resultado do projeto pode ser base para empresas agrícolas sociais tomarem medidas sobre espécies de plantas nativas que seriam opções mais sustentáveis, ou então ser base para uma consultoria de restaurantes locais e chefs que desejam apoiar os agricultores e fornecedores locais que encontrei na estrada.

Não seria incrível ter um projeto Asli no Brasil, Quênia ou Mongólia? A melhor maneira de fazer isso acontecer é continuar com o meu trabalho e compartilhar cada vez mais os resultados do projeto.

Como as pessoas podem apoiar o projeto?

Seguindo as mídias sociais do projeto! Seja através do YouTube para vídeos, Instagram para fotos ou o site para receitas e histórias das pessoas que eu encontro e lugares que eu vou.

E claro, abraçar o que o projeto incentiva. Sempre que viajar, procure pela comida local, o que significa simplesmente interagir com os habitantes locais. Vá à mercados, coma comida de rua, aceite convites para visitar a casa das pessoas e comece a falar sobre comida. Confie em mim, esta é a melhor forma de iniciar uma conversa e a maneira mais fácil de fazer amigos na estrada.

Sobre Crystal

Você nos disse que mudou sua carreira de comunicação para a gastronomia, porque decidiu trabalhar com comida?

Foi o destino que mandou o recado quando fui demitida do meu trabalho em comunicações, isso me forçou a reavaliar meu futuro. Enquanto eu estava procurando um novo trabalho, eu descobri uma curiosidade inata sobre todas as coisas relacionadas com comida. Não apenas como cozinhar os alimentos, mas também a ciência por trás dele, os ingredientes e as pessoas envolvidas. Tenho interesse por tudo que está relacionado ao tema, então decidi que deveria trabalhar com gastronomia.

O que a comida significa para você?

A comida é uma porta de entrada para eu explorar as muitas curiosidades que tenho na vida — química, arte, negócios, questões sociais, geografia, antropologia — e assim por diante. É por isso que eu vejo o trabalho no setor gastronômico como mais do que apenas fazer comida e servi-la. Ela me gera oportunidades e eu sou grata que a comida é a lente que eu comecei a usar para enxergar o mundo.

Por que a Indonésia? Você tem alguma outra conexão com o país?

De alguma forma, foi por acaso. Mudei-me para Bali especificamente para trabalhar em um restaurante chamado Room4Dessert em Ubud para expandir minhas habilidades de patisserie. No entanto, depois do meu primeiro ano, eu ansiava para encontrar e aprender mais sobre os ingredientes locais da Indonésia que eu não poderia encontrar no restaurante. Foi aí que eu comecei a desenvolver a idéia para o Asli Food Project.

Para sua pesquisa, na maioria das vezes você está viajando sozinha e explorando lugares fora da trilha comum. Como você se sente? Você teve alguma preocupação no começo?

Eu fico absolutamente ansiosa antes de iniciar cada viagem — não importa quantas delas eu já tenha feito. Com preocupação do tipo: “as pessoas vão ser boas comigo? As pessoas vão me ajudar? E se eu ficar doente? E se eu me perder?” Acredite, eu posso imaginar mil cenários do que pode dar errado. Mas a melhor maneira de combater a minha ansiedade é cuidar de cada situação, uma vez que surge, e se surgir! Enquanto isso, eu vivo o momento e exploro os lugares como planejado.

E os seus objetivos? Você tem algum objetivo pessoal que quer alcançar com este projeto?

Atualmente meus objetivos pessoais e profissionais seguem na mesma trilha, mas há um objetivo particular que eu gostaria de realizar com o projeto Asli. Eu sempre fui uma defensora de cozinheiros e chefs aprendendo sobre a comida além do que vêem na cozinha. Embora tenhamos uma responsabilidade absoluta para servir os nossos clientes uma comida deliciosa, temos uma grande responsabilidade de educar-nos sobre os ingredientes e produtos que utilizamos. A única maneira de fazer isso é tirar o avental e pegar uma mochila. Seja para um fim de semana, uma semana ou mês. Precisamos descobrir onde nós existimos neste sistema de alimentos e como podemos influenciá-lo.

Ao meu ver, o Asli Food Project tornou-se uma extensão física disso tudo, e agora eu quero usá-lo para incentivar as pessoas na indústria de alimentos a explorar o seu papel fora da cozinha. É a única maneira que podemos nos tornar uma geração de chefs informados e conscientes., E assim, os representantes de um sistema alimentar saudável que irá impactar milhões de mentes e estômagos.

Chef Crystal explora a cultura gastronômica da Indonesia com o Projeto Asli Food

Onde encontrar a Crystal

Fotos © Crystal Chiu

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